"De frente com o paciente, percebendo a forma como ele olha pra você, é possível ter uma intuição diagnóstica. Há um retardamento, os movimentos são lentos e custosos e geralmente refletem bem o que a pessoa está sentindo", afirma o psiquiatra e professor titular da USP Wagner Gattaz. "Mas, muitas vezes a gente se engana também."
O que faltava era, basicamente, um corpo mais científico ao tal do "olhar clínico". E é aí que a psicóloga e pesquisadora Juliana Fiquer, também da USP, resolveu atuar, criando um registro dos comportamentos que ajudam a dizer se a pessoa tem depressão e se o tratamento funcionou.
A tática para dessensibilizar o paciente, ou seja, minimizar o peso de ele estar sendo filmado, consistia em deixar a câmera gravando desde antes da entrevista, enquanto alguns formulários eram respondidos.
Para os resultados serem de boa qualidade (ou seja, reprodutíveis), era importante também que os pacientes não soubessem precisamente qual seria a finalidade da gravação –registrar suas expressões facial e corporal. Por outro lado, a maioria deles –provavelmente por causa da depressão–, nem perguntava a respeito das filmagens, relata Juliana.
EXPRESSÕES
Entre os principais achados está que a intensidade (maior ou menor) de alguns comportamentos está diretamente associada à gravidade do quadro de depressão.
Um bom exemplo disso é a gesticulação ilustrativa -usada quando se quer "mostrar coisas" com as mãos. Na depressão esses movimentos tendem a sumir. O gesto "contrário", repetitivo e sem um objetivo óbvio (como manusear as próprias mãos) se tornam mais frequentes.
Alguns sinais também se mostraram bons indicadores de que o tratamento surtia efeito. Alguns exemplos: o choro diminuiu, o contato ocular aumentou e as testas se tornaram menos franzidas.
Mas nem sempre a resposta é fácil: pode haver sinais aparentemente contraditórios, como sorrisos e falas misturados com gesticulações sem sentido, como na esquizofrenia, de acordo com Gattaz. O quadro em que os gestos não condizem com a fala é chamado de paramimia. No caso do mal de Parkinson, por exemplo, há uma amimia, ou seja, perda dos movimentos.
Segundo Gattaz, que já viveu na Alemanha, sinais não verbais são mais difíceis de se perceber naquele povo em comparação aos latinos. "De repente a língua mais rica diminui a importância da mímica", filosofa.
Não é exatamente isso que a pesquisa de Juliana indica. Parte de seus resultados foi publicada na revista especializada "Journal of Affective Disorders". Em outra fase de sua pesquisa, ainda inédita, houve uma colaboração com holandeses na qual foi realizada uma avaliação parecida e com resultados na mesma direção -a avaliação não verbal, portanto, não é algo que valeria somente para um país ou etnia em particular. "Na verdade, os primeiros estudos dessa área foram feitos nos EUA e em alguns países da Europa", afirma a psicóloga.
A ideia de usar a comunicação não verbal não é substituir o médico ou psicólogo: nem o relato verbal. "É uma ferramenta para saber mais sobre o paciente. Não é tratamento", diz a pesquisadora. "Às vezes há gestos que não batem com o relato. E podemos atuar em cima disso."
Ao saber, por exemplo, para quais comportamentos o psiquiatra ou psicólogo deve prestar mais atenção, "pode-se levar coisas que não estão tão claras para o território do pensamento e da consciência e trazer aquilo para o verbal", conclui ela.